Morar no exterior é uma aventura e tanto, mas muitas pessoas me perguntam como é voltar? E como me sinto morando fora do país? Como muitos de nós já sabemos e experimentamos, viver em outro país vai mudar você para sempre. Você nunca mais será o mesmo e não vai ver as coisas da mesma forma novamente.
A primeira vez que eu experimentei o que os especialistas chamam de síndrome do regresso ou “reverse culture shock”, foi quando voltei ao Brasil depois de um período morando em Berlin, na Alemanha. Minha cidade natal, que antes tinha me dado uma sensação de conforto e bem-estar, ao retornar, parecia sufocante e atrasada. Eu tinha aquela sensação de que faltava alguma coisa, mas eu não tinha ideia do que poderia ser. Até que finalmente aceitei a realidade de que minha cidade natal não me fazia sentir do mesmo jeito que eu sentia antes. Foi meio que selei o meu destino no momento em que embarquei naquele avião pra Europa no ano anterior.
Eu não acho que não há realmente nenhuma maneira de descrever esse sentimento para aqueles que ainda não experimentaram por si próprios. É um pouco como uma queda livre. É como se estivéssemos flutuando sem rumo em águas agitadas.
Quando eu estava fazendo meu mestrado, estudei uma cadeira sobre migração e li mais a fundo sobre a síndrome do regresso. Esse desamparo que bate na gente quando regressamos depois de morar fora, que muitos chamam de frescura e esnobismo. Mas na verdade, essa síndrome existe e é real. Esse sentimento de não pertencer mais ao lugar de origem, de não se encaixar. Segundo o psiquiatra Décio Nakagawa, que estudou a síndrome por 15 anos, uma pessoa leva em média seis meses para se adaptar a uma cultura nova, e dois anos para se readaptar ao próprio país.
O que é exatamente isso que nos faz sentir desse jeito? Será que o grau de diferença entre o nosso país de origem e o país de destino determina o grau que a mudança irá nos causar?
O fato é que o expatriado percebe que as coisas não são como tinha idealizado. Isso, somado à mudança que aconteceu lá fora, provoca um choque. Bem, mas não é de se desesperar, pois eventualmente, você vai se sentir em casa de novo no nosso país de origem, e os vestígios do “choque” lentamente vão se desgastar. Isso aconteceu comigo mais uma vez, quando em 2010 morei 4 meses no Equador e depois regressei aos Estados Unidos. Alguma coisa mudou novamente e levei algum tempo pra aceitar minha realidade.
Embora seja verdade que os sentimentos iniciais de estranheza diminuam com o tempo, ainda assim você vai sentir que alguma coisa nunca mais será a mesma. E aí que vem o dilema: ou você aceita a situação e se conforma, ou você vai enfrentar a atração constante para voltar, um puxão para voltar para qualquer lugar, contanto que não seja a sua cidade natal. Foi o que aconteceu comigo na primeira vez. Fortaleza não era mais meu lar, minha casa. Não ia dar certo voltar pra Alemanha, então eu me mudei pros Estados Unidos. E hoje em dia morando há 6 anos nos Estados Unidos, DC é o lugar que eu chamo de casa. Mas eu confesso que muitas vezes me sinto como se eu estivesse vivendo em uma espécie de realidade suspensa, nunca aqui e nunca lá, inquieta.
Mas eu confesso que é incrível a possibilidade de ter passado algum tempo em outro país, vivendo outra cultura, e saber que mesmo com sua diversidade, você pode se tornar parte dessa nova cultura. Quando moramos fora nossa atenção aos detalhes é agravada e fazemos um esforço para compreender e se ajustar até que nos tornamos um só com o nosso novo local. O que eu vi, senti, ouvi, provei e cheirei em cada um dos lugares que eu vivi me fez quem eu sou hoje. Eu nunca vou querer voltar os relógios para que eu possa voltar para a pessoa que eu era antes de pôr os pés no primeiro avião. Em vez disso, o que eu quero mais do que tudo é ter meus elementos favoritos de cada país que estive aqui comigo. Quero de alguma forma, torcer todos juntos em uma colcha de retalhos, para usá-lo no dia a dia, para me trazer um tipo de conforto multicultural de minha própria autoria.
Para mim, o que eu perdi em conforto da cidade natal, eu ganhei na familiaridade internacional. Assim, a última pergunta que eu me faço não é mais se eu nunca vou ter a sensação completa de casa de novo, aquela sensação de saber que eu pertenço a um lugar acima de todos os outros. Agora, eu me pergunto como eu posso sentir em casa onde estou neste momento, neste lugar, com estas experiências de agora, e tentar a cada momento encontrar meu caminho de volta para minha verdadeira casa.
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33 Comentários
Morei 10 e meio em Portugal, e para mim foi muito doloroso voltar ao Brasil. Parece que eu não faço parte do Brasil, sinto como se tivesse arrancado parte da minha vida. Passei minha infância e adolescência em Portugal, então eu me sinto “portuguesa” mesmo ainda não ter conseguido cidadania. Voltei para o Brasil faz 7 anos, já voltei praticamente adulta, e até hoje não consigo me adaptar e aceitar que sou brasileira, que nasci aqui. Tem dias que choro muito porque quero voltar muito para Portugal, mas está muito difícil de regressar para lá porque não tenho condições para voltar para lá no momento. Aqui no Brasil estou desempregada, mesmo tendo um diploma de ensino superior em minhas mão, e não tenho certeza quanto ao meu futuro por aqui. É aquela sensação que eu sinto de muito desconforto em meu país de origem, talvez por viver realidades bem diferentes. Bom esse foi um pouquinho do meu depoimento.
Bruna
Fui embora no ano 2000 com 12 anos de idade .Ha 3 meses que voltei para o Brasil e tudo continua no mesmo lugar e estou aqui as 3 das manhã procurando encontrar uma resposta pro mal estar que tenho sentido e encontrei!!.Reverse culture shock…Eles nao me entendem nunca sairao deste lugar…
Nossa, amei ler seu post.
Acabei de retornar de 7 meses de uma viagem de volta ao mundo aonde aprendi a me integrar às culturas e a chamar de lar países na áfrica, europa, ásia e oceania. Aprendi a me desapegar de coisas materiais, a viver com uma mala e a chamar o mundo de lar. Muito recomfortante ler seu post e descobrir que meus sentimentos não estão sozinhos… e espero que me adapte fácil pq no fundo acho que serei uma eterna viajante e ai sim será mais difícil ainda aparar em um lugar mais do que alguns meses. Obrigada por se abrir tanto e compartilhar esses sentimentos!!!
Moro nos EUA há 13 anos, tenho uma situação privilegiada financeiramente lá e já tinha tirado da cabeça de retornar ao Brasil…
No entanto, Deus me trouxe uma nova situação que me fez repensar e começar a planejar meu retorno… sim sinto medo de trocar o certo pelo incerto, em relação à parte profissional e financeira, mas tenho certeza que a parte que mais me toca vai estar completa!!! Convivência familiar, os verdadeiros amigos são insubstituíveis. Cada um sabe o que eh mais importante na Vida e o que faz sua alma feliz.
Viver no exterior serviu não para eu comprar dez televisores, ter um BMW e uma Mercedes, ou uma casa de 5 suítes…., mas serviu para eu aprender e ter a percepção do que realmente é importante para mim.
Oi!! Eu amei seu post!! Morei há 10 anos no Canadá,voltei para o Brasil e NUNCA me adaptei a minha cidade natal – por sinal, Fortaleza também – e depois de muita luta, embarco em Dezembro para a Austrália. Não me vejo morando no Brasil, eh estranho, lutei muito para aceitar, mas cada um sabe a necessidade.
Eu me chamo Brenner morei durante 3 anos na Europa Alemanha, estudei aprendi a língua alemã e durante esses três anos na Europa eu fui visitar o Brasil e foi a pior coisa que eu fiz eu me senti muito mal porque eu me senti um estranho num país que parecia que eu nem conhecia, e depois voltei de volta para a Alemanha, eu diria que sair de seu país natal e depois voltar não é tão agradável então se você quiser fazer turismo você terá que ter consciência que é apenas um turismo, depois de 6 meses voltei para Alemanha e percebi a diferença da convivência de um país estrangeiro para seu país natal você saberá bem o lugar que você deve ficar apenas ouça seu coração e só saberá a diferença se fizer isso porque não tem como explicar a sensação que a pessoa senti algumas pessoas ficam felizes alguns tristes e etc.
Sou Mineira e moro na suiça a 27 anos e sempre sonhei em voltar pro Brasil. Eu sonho em ir pro sul de minas com o meu marido e tentar a vida por la. Gostariamos de continuar a obra em ajudar as pesoas necessitadas que vivem no interior de minas. Aqui na Suiça ajudamos na igreja protestante suiça com os Asilantes de varios Paises e gostariamos de continuar com essa obra. Amo as pessoas e tenho uma compaixao muito grande por elas.Mas eu me pergunto se eu irei me adaptar?
Moro há quase 1 ano na Califórnia, e sempre que vou para o Brasil passar férias a minha vontade é de ficar… Quanta saudade 🙁
Obrigada por esse texto!
Super me ajudou a entender o que sinto. Ainda nao voltei pra ‘casa’, mas sempre que volto pra visitar nao sinto que pertenço, mas tambem aqui nao eh casa…
Capaz aqui tá muito perigoso
Que texto maravilhoso! Conseguiu interpretar de tantas maneiras o que venho sentido depois de voltar para casa. Seu blog é maravilhoso. <3
Leandro Alm se vc for pra Santiago vai ver o que é inverno rsrs, se for p o sul o frio é extremo. Se usa estufas a gás se a casa tiver gás encanado, se não usa estufa a parafina.Boa Sorte!
Nossa, estou chegando aí então! O pr0blema é o frio né? As casas têm aquecedor?
Moro ha 8 anos na Suíça e cada vêz que volto para o Brasil me sinto um peixe fora d’agua. Eu realmente tenho esse medo de voltar e não conseguir me readaptar. Tenho um amigo que voltou de Singapura para o Brasil e me disse que sua readaptação estava sendo muito desgastante, tanto que ele voltou para Singapura!
Não é assim com todo mundo. Já estou há quase 4 anos fora e quando vou pra casa (minha cidade) passsear, da vontade chutar o balde e ficar.. Mas a razão acaba vencendo e vou embora triste..
Olá eu moro, aqui na Espanha a 18 anos e esta materia me ajudou muito, porque dia 14 setembro regresso ao Brasil e tenho muitas dúvidas, em questao de adaptaçao. Tambem conheci outros valores, mas como comentou nossa companheira Janice, se esta vivendo em boas condiçoes, nunca pensa em voltar. Agora aqui na Espanha a crisis afetou a classe mas baixa, nao tem trabalho, os proprios jovens espanholes estao imigrando em busca de uma oportunidade em outros paises, Quero tentar e tenho medo, mas sei que tudo vai dar certo, porque estou invocando para este regresso. Gracias!
O texto fala de algo real que se passa nao com todas (como se ve comentado aqui) mas com muitas e muitas pessoas. No meu caso, quanto ao lugar ser 'melhor' ou 'pior'… eu ja' vivi em lugares fora do Brasil, algumas vezes em condicoes um tanto desafiadoras, mas em todos os lugares que vivi, nao houve um que eu nao tenha aprendido a amar. Lac,os de amizade se formam, apego as particularidades do lugar tambem. No regresso, o sentimento de perda SEMPRE me acompanha, aliado SEMPRE ao da imensa alegria de estar de volta. Sao as duas coisas juntas. E esse sentimento e' revivido 'as avessas quando da minha volta ao exterior. O texto fala da minha exata experiencia. (y) 🙂 Excelente.
Santiago , Chile .
vc viveu 7 anos onde?
"Segundo o psiquiatra Décio Nakagawa, que estudou a síndrome por 15 anos, uma pessoa leva em média seis meses para se adaptar a uma cultura nova, e dois anos para se readaptar ao próprio país." OMG
Comigo aconteceu completamente ao contrario ,depois de 7 anos fora a unica coisa q eu quería era voltar p minha cidade,,acho q essa síndrome do regresso só acontece se o país onde vc foi viver é melhor do q o Brasil ,no meu caso acho q Florianópolis ganha de muitos países por aí…
Eu morei 15 anos fora do meu pais trabalhei muito de faxineira sem direitos trabalhitas nem um deixei de viver muitos momentos da minha vida por estar morando fora,tenho 4anos que voltei para o Brasil tenho uma vida financeira rasuavel ,só agora vejo tudo de bom que meu pais tinha me oferecido se eu tive ficado nao me arrependo de voltar mais sim de ter partido um dia estou muito feliz no meu pais Brasil,o que me encomoda e as criticas que tantos como eu que já sofreram em outros países fazem ao nosso pais. Eu acredito em um Brasil melhor!!!!
Disse tudo! Como é difícil readaptar a cidade natal..
"Esse desamparo que bate na gente quando regressamos depois de morar fora, que muitos chamam de frescura e esnobismo. Mas na verdade, essa síndrome existe e é real. Esse sentimento de não pertencer mais ao lugar de origem, de não se encaixar."
Excelente texto
No fim das contas casa é onde se esta bem…
Não importa onde for …
Exatamente!
Excelente !
"Eu não acho que não há realmente nenhuma maneira de descrever esse sentimento para aqueles que ainda não experimentaram por si próprios. É um pouco como uma queda livre. É como se estivéssemos flutuando sem rumo em águas agitadas." Disse tudo.
'Mas eu confesso que muitas vezes me sinto como se eu estivesse vivendo em uma espécie de realidade suspensa, nunca aqui e nunca lá'
Li uma matéria sobre a síndrome do Regresso no blog da Folha de SP. Eu nunca saí do Brasil, mas moro no nordeste e, durante 4 meses, fiquei morando no sul do país. Isso foi o suficiente para eu entender esse sentimento. Quando voltei, também tive a impressão de não mais encontrar o mesmo lugar. As coisas pareciam atrasadas (Santa Catarina é nossa Europa!), eu sentia falta do friozinho… Mas agora que me readaptei, posso dizer que só o tempo mesmo para acalmar nossas agonias. Quisera eu ter tanta experiência de vida quanto você, Manu! Adoro seus posts (sempre falo isso, né?! rs). Beijos!
Interessante seu ponto de vista. Gostei como vc finalizou esse post dizendo que poder abraçar tantas indentidades de diferentes países fez de vc uma pessoa mais “em casa” aonde vc foi. Hoje eu vivo uma fase da minha vida que estranho muitos comportamentos presentes na nossa cultura, rs!!! É engraçado mas isso acontece mesmo. O bom é aproveitar o melhor de cada oportunidade e alargar os nossos horizontes culturais.
Muito bonito seu texto, me emocionei! Também vivi e vivo a “reverse culture shock”. Nos anos 90 morei três anos em Paris e quando voltei pra casa nao mais me senti em casa. Tive depressao e tudo o que queria era voltar para Paris. Os amigos tinham suas vidas, suas prioridades as quais a gente nao se encaixa mais quando volta tao diferente… Depois de alguns meses trabalhando, voltei a me adaptar ao ritmo da cidade maravilhosa. Fiquei 7 anos no Brasil e em 2000 vim para a Alemanha – novamente tudo do zero: nova cultura, nova lingua , novos amigos. Me sinto em casa aqui. Mas as vezes quando o inverno é muito longo e frio, me pego falando do Brasil como “em casa”…sinto muitas saudades do meu país, dos meus amigos, da familia. Mas a dificuldade de readaptacao continua – depois de 15 dias de férias, sinto falta da minha casa, dos meus amigos na Alemanha. É tudo muito contraditório! Termino com uma frase de Edgar Reitz:Heimat ist immer etwas Verlorenes, eine Sehnsucht, die sich nie erfüllen läßt.
Um grande abraco e um excelente domingo,
Giane
Concordo plenamente. Moro ha 3 anos fora e mesmo que ache um monte de defeitos aqui na Italia, sinto esse desconforto quanto volto pro Rio! Estranho, mas vc me fez entender melhor… 🙂