o dilema dos cabelos cacheados no brasilEsse post é mais um desabafo pessoal e tem haver com aceitação, formas de perceber a beleza e o preconceito que criamos em torno de cabelos.

Conversando recentemente com uma amiga, entramos numa discussão sobre preconceito com cabelos e auto aceitação e isso me fez lembrar um episodio significativo na minha vida.

Quando ainda morava no Brasil, trabalhei numa grande empresa do setor privado. Era uma companhia sólida e reconhecida, com um excelente plano de carreira. Além disso, foi um dos trabalhos mais bem pagos que tive no Brasil. Mas como nem tudo é um mar de rosas, eu tive uma chefe que pegava no meu pé e foi um dos motivos que me fez pedir para sair da empresa.  A empresa tinha um dress code, Business Professional e mesmo morando no calor do Ceará. Todos os homens tinham que usar terno e gravata e as mulheres também tinham que estarem impecáveis de terninho. Até ai tudo bem pois era regra da empresa, mas chegou a um ponto em que minha chefe começou a encucar com meu cabelo. Diferente das colegas de trabalho que tinham o cabelo liso, meu cabelo era natural encaracolado tipo 3B e isso não tem como disfarçar. Mas teve uma certa vez minha chefe disse que meu cabelo era uma distração e parecia desarrumado com o volume e sugeriu que eu fizesse chapinha pois ia ficar mais “arrumado”.

Cabelo natural é muitas vezes visto como pouco profissional e despenteado que é obviamente ridículo, porque as pessoas não podem mudar a forma que os cabelos crescem e suas raízes de origem.

Hoje quando paro pra pensar, chego mais e mais à conclusão que as desigualdades existem por causa da maneira como classificamos e hierarquizamos as pessoas na sociedade. Claro que a atitude da minha chefe estava errada. Mas eu não a julgo, pois na minha experiência, o cabelo crespo e enrolado é muitas vezes mal visto até mesmo por membros da nossa própria família. E por causa disso, muitas vezes ainda cedo os cabelos das crianças são tratados com químicas e penteados pra disfarçar o volume e a textura natural do cabelo. As crianças crescem sem nenhuma ideia do que fazer com seu próprio cabelo, pois infelizmente, elas não recebem muita ajuda dos recursos externos.

Viver em uma sociedade em que o cabelo liso é normal afeta a confiança das crianças e como as mulheres cacheados são vistas em geral. Quando uma adolescente encaracolada abre uma revista, quase todos os modelos em anúncios e artigos têm cabelos lisos. Ligue a televisão e você está quase garantida de encontrar meia dúzia de atores com cabelos lisos e vez ou outra perdida tem uma encaracolada fazendo principal. E já rola aquele bafafá, que não deveria existir, pois somos brasileiros e é só sair na rua pra ver quantos cabelos cacheados e crespos tem por aí. Essas revistas (e outros meios de comunicação) são destrutivas tanto para o cabelo como para a autoconfiança de um adolescente com cabelo encaracolado.

O pior é que maioria das mulheres poderosas com cabelos crespos ainda optam por escondê-lo. Na verdade, dentro da lista de senadores servindo atualmente – nenhum das mulheres tem o cabelo crespo ou encaracolado! Quando as crianças não veem as pessoas que se parecem com eles na mídia ou em posições de poder, isso afeta a sua confiança e as fazem sentir menos capazes.

Saí da empresa porque não me sentia aceita e estava cansada de viver por trás de regras absurdas e porque dinheiro nenhum podia pagar a minha essência. Eu podia ter levado a discussão mais adiante e processado a empresa, mas preferi não aumentar a bola de neve, ficar com minha confiança e dizer umas poucas e boas pra essa chefe ridícula que eu tinha. Claro que não baixei o barraco, mas eu falei o que pensava.

FRASE DALAI LAMA

O fato que permanece é que o privilégio do cabelo liso existe sim e a única maneira de combater isso é criar uma campanha de auto aceitação para que nós tenhamos uma discussão verdadeiramente aberta sobre isso. Temos que refinarmos o nosso olhar e abrir a mente para enxergar diferentes belezas nos diversos tipos de cabelo que encontramos por aí. Cabelo cacheado e crespo é lindo. Diz muito mais das nossas origens e da nossa identidade.

Hoje moro fora do Brasil, tenho orgulho do meu cabelo e confesso que sou varias vezes paradas na rua por pessoas que acham meu cabelo lindo, perguntando dicas, quais os produtos que uso, como faço para cuidar. Tenho um namorado que incentiva o  volume no cabelo e uma carreira que me permite usar meus cabelos enrolados do jeito que eu quiser. E hoje posso dizer com toda a minha experiência o quanto é ridículo aliar o modo com que uso meus cabelos com a minha competência profissional. Mas quantas pessoas não tem essa oportunidade? Quantos chefes usam o cabelo como uma desculpa para “branquiar” seus funcionários? Hoje dia sabemos que não é mais permitido selecionar funcionários pela aparência, mas o que isso quer dizer no final? Será que estamos atentos a malícia escondida por um simples conceito de beleza?

Mas infelizmente este problema do cabelo é muito maior do que alguns chefes racistas. Pois isso diz muito mais do Brasil, da nossa sociedade e de como somos influenciados.

E vocês o que pensam sobre esse assunto?

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